Autoconstrução assistida
Mariana Estevão é arquiteta especializada em saneamento e acredita que o acesso ao conhecimento na sua área não deveria ser restrito à pessoas que podem pagar por ele. Depois de ter tido contato com o programa Favela Bairro no Rio de Janeiro, sua cidade natal, ela começou a buscar formas de viabilizar uma iniciativa que emulasse as políticas públicas de saúde já existentes, como o médico da família, mas fosse voltada para a habitação.
Foi assim que a ideia do Arquiteto de Família foi tomando forma, voltado para identificar os principais problemas das autoconstruções que representavam riscos à saúde e segurança das pessoas e ajudar a resolvê-los, considerando as demandas e possibilidades de cada família. O projeto começou em 2001, com o objetivo de disponibilizar acesso ao conhecimento em arquitetura para transformar aos poucos a comunidade do Morro Vital Brazil, em Niterói, onde atua desde 2008. Cerca de 400 famílias vivem no local e pelo menos 130 receberam a assistência de projeto e obra oferecida pela iniciativa e 50 estão atualmente envolvidas em uma das ações executadas para melhorar suas casas.
Além da orientação técnica, a ONG também auxilia no planejamento financeiro das obras, para evitar que ela seja interrompida por falta de dinheiro. As famílias podem recorrer a um fundo de microcrédito, que disponibiliza recursos com juros baixos a curto prazo –  que varia entre quatro a seis meses. Em último caso, são oferecidos subsídios parciais ou integrais sob a condição da família oferecer uma contrapartida que pode ser financeira, de mão de obra e/ou doação de material reciclável.
O projeto possui uma parceria com a TetraPak para trocar embalagens longa vida arrecadadas por telhas fabricadas com esse material. O morador que doa material reciclável recebe em troca uma moeda social local do sistema de ecobanco desenvolvido pelo Arquiteto de Família. Com a moeda, ele pode adquirir materiais de construção excedentes de obras ou doados por lojas porque não servem para comercialização, mas ainda estão em condições de uso. As aquisições são feitas nas feiras de troca realizadas a cada dois meses.


As obras são feitas pelos próprios moradores, que podem contar com a assistência da equipe da ONG Soluções Urbanas, organizada em 2002 para desenvolver o Arquiteto de Família. Desde que o trabalho no Morro Vital Brazil começou, foram formadas duas turmas de capacitação para autoconstrutores se tornarem assistentes de obra. Além da autoconstrução assistida, o projeto também organiza mutirões com a presença de pelo menos um pedreiro. Outra maneira de viabilizar as melhorias para as habitações é a empreitada, uma intervenção desenvolvida por profissionais que demanda armazenamento de materiais ou ainda a realocação dos moradores e seus pertences.
As reformas nas casas autoconstruídas começam por iniciativa do morador que procura o Arquiteto de Família em busca de assistência.  Junto com os membros da ONG Soluções Urbanas, as obras são planejadas, organizadas e executadas de maneira que proporcione condições mais saudáveis de moradia. Como a atuação do Arquitetos da Família é permanente, as melhorias podem ser realizadas aos poucos, respeitando as limitações de recursos e as prioridades das famílias assistidas.
Algumas obras se concentram em tornar o Morro Vital Brazil um lugar mais saudável para todos os moradores, como a canalização de um rio que havia virado um esgoto a céu aberto atravessando a comunidade e a construção de escadas e rampas, melhorando as condições de circulação interna e facilitando o acesso às casas.
Nós atuamos em várias frentes: orientação técnica, crédito e mão-de-obra de qualidade. Hoje nós sabemos que há um modelo de negócio viável com a articulação de atores do setor para criar uma rede de apoiadores. Mas sempre vai haver a necessidade de política pública para formular um modelo misto que ofereça assistência permanente.
Mariana Estevão,  presidente da ONG Soluções Urbanas
Mariana Estevão, idealizadora do projeto, está em São Paulo desenvolvendo uma parceria com a ONG Habitat para a Humanidade para formar agentes de melhorias nas comunidades de Vergueirinho e Bristol. Os agentes farão parte de uma rede de apoio comunitária para facilitar os processos de autoconstrução, também dando prioridade a resolução de problemas habitacionais que comprometam a segurança e a saúde das famílias.
Atualmente, o Arquiteto de Família está em busca de parceiros que viabilizem a continuidade do seu trabalho no Morro Vital Brazil. O impacto do trabalho da organização na comunidade pode ser medido de muitas formas: uma reforma de telhado pode reduzir em até 8ºC a temperatura interna de uma casa, uma canaleta para escoar a água da chuva que desce das encostas diminui a umidade e o risco de problemas respiratórios, resultado que também pode ser alcançado com a eliminação de infiltrações. Mariana também conta que melhorar as condições de moradia produz mudanças sutis no bem-estar das famílias e no dia-a-dia da comunidade que são difíceis de medir, mas que têm um papel importante na melhoria da qualidade de vida dos seus moradores.